O
Aedes
aegypti
e a Dengue:
uma epidemia quase irreversível
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| Remanscentes da Mata Altântica em Goiás: "Desmatamentos desordenados acabaram com o hábitat natural do mosquito" |
Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca
Hoje pela manhã, ouvi por uma rádio
local a chamada de uma campanha de combate à dengue. Confesso que
fiquei aterrorizado e surpreso com a suposta frase de efeito
utilizada pela locutora da referida emissora: “não
seja responsável pela morte de outras pessoas”.
Esta frase aparentemente ingênua e simples, na verdade tem um
conteúdo que escamoteia a realidade e, ao mesmo tempo, tenta jogar a
responsabilidade da epidemia da doença nas costas da população.
Não quero dizer com isso que a população não deva fazer sua
parte, muito pelo contrário, Porém, o que quero enfatizar é que o
eixo, os motivos e as consequências desta doença não devem ser
deslocados, ou seja, a verdade deve ser dita, doa a quem doer e a
sociedade é a menos culpada por este estado de coisas.
Na verdade, o surgimento do (Aedes
aegypti) vetor (transmissor da
dengue) nos centros urbanos é fruto direto do desequilíbrio
ambiental provocado pelas atividades humanas no campo, isto é, a
intervenção antropogênica (humana) no espaço agrário brasileiro,
sob a forma de atividades diversificadas como agropecuária,
mineração, desmatamentos desordenados, dentre outros fatores,
acabaram com o hábitat natural do mosquito, deslocando-o para os
centros urbanos. Ele vivia naturalmente nas matas e, ao removermos a
vegetação, quebramos seu hábitat, e, consequentemente suas fontes
de alimentos e sobrevivência. Ao quebrarmos seu hábitat natural,
ele veio para as cidades em busca de novas fontes de sobrevivência.
Na verdade, o homem já perdeu o total controle sobre a proliferação
do Aedes aegypti.
A dengue já se tornou uma moléstia epidêmica em diversas áreas e
regiões do país. Então, podemos dizer que a dengue é fruto do
desequilibro ambiental provocado pela ação humana no espaço
agrário (no campo).
No caso das regiões produtoras de
alimentos de exportação (monoculturas), como é ocaso da
mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, o problema da
contaminação pelo mosquito se torna mais grave. A prática das
monoculturas (soja, cana-de-açúcar, dentre outros produtos) demanda
a remoção das vegetações. Ao removê-las, substituí-las por
espécies de monocultura, na verdade, está se promovendo uma
homogeneização das espécies vegetais, o que irá promover o
desequilíbrio biológico entre as espécies, criando, assim,
condições propícias para o surgimento de pragas e de espécies de
insetos resistentes às próprias pragas, em decorrência da
eliminação de competidores. Ou seja, estaremos, na prática,
criando as condições para que uma espécie seja hegemônica em uma
determinada área ou região, em função do desequilíbrio da
biodiversidade regional, com a eliminação de espécies competidoras
potenciais.
As ações criadas pelo poder público
para o combate à epidemia como o lançamento de fumaça inseticida
(fumacê) surtiu algum efeito apenas no início do processo. Tal
prática acabou propiciando a seleção de mosquitos mais resistentes
ao inseticida, os quais iniciaram um novo ciclo de vida de vetores
selecionados e mais resistentes. Então, infelizmente, o combate ao
vetor (Aedes aegypti)
tem se tornado, cada dia mais complicado. O combate às fontes de
incubação do inseto (águas paradas) já está se tornando
ineficaz, em função das novas características da subespécie de
inseto que se torna mais resistente. Então, a solução real para o
problema do controle do Aedes aegypti e, consequentemente da dengue,
pode estar muito mais relacionado com as formas de minimizar o
desequilíbrio ambiental no campo do que com o combate aos próprios
criadouros urbanos (fontes de água parada). Nas reais condições de
desequilíbrio ambiental provocado pelo próprio ser humano, o
pequenino Aedes aegypti
tem se tornado um gigante diante do todo poderoso homo
sapiens, que tem se tornado
ínfimo e irrisório diante deste frágil e delicado inseto
Escritor. Geógrafo, Mestre e Doutor
pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós-Doutorando pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador e
professor da Universidade de Uberaba (UNIUBE).
machado04fonseca@gmail.com

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